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Em 2025, o Vai-Vai comemora meio século da sua Ala de Compositores ? um marco que não é apenas cronológico: é identitário. Há 50 anos, a Ala transforma lutas em poesia, sonhos em samba enredo e aquela emoção com a nossa cara que conduz cada componente do Bixiga na avenida.

Neste artigo vamos conferir um pouquinho essa história de lutas, glórias e muito amor pelo nosso pavilhão.



Antes da Ala, a semente: do cordão ao samba do Bixiga


Muito antes da oficialização das escolas de samba em São Paulo, a Saracura já tinha quem puxasse o canto. Henrique Filipe da Costa, o Henricão, é apontado como o primeiro compositor do Vai-Vai, autor de sambas do final dos anos 1920 que embalavam o então cordão do bairro. Ele também seria, décadas depois, o primeiro Rei Momo negro do carnaval paulistano. 


A trajetória do Vai-Vai ? do cordão às passarelas como escola, em 1972 ? moldou uma cultura musical própria, alimentada por compositores que espelharam a vida, a fé e a luta do povo negro paulistano. Nessa constelação, nomes como Geraldo Filme ajudaram a consolidar uma estética e um discurso que hoje são patrimônio da cidade.


A consolidação dessa prática também redefiniu funções: o pavilhão substituiu o estandarte, surgiram comissão de frente, baianas e alegorias de mão, e a bateria ganhou instrumentos e andamentos mais leves ? um ambiente perfeito para a canção-enredo florescer com força.


1975: nasce a Ala de Compositores


A organização formal da criação musical veio em 1975, quando Osvaldinho da Cuíca, então já figura central do samba paulistano, articulou a fundação da Ala de Compositores do Vai-Vai. A partir dali, a escola ganhou um ?cérebro musical? estruturado, capaz de produzir sambas competitivos e ao mesmo tempo fiéis ao DNA do Bixiga.




O impacto foi imediato: em 1978, a escola conquistou seu primeiro título como escola de samba com ?Na Arca de Noel quem entrou não saiu mais?, samba com participação de Osvaldinho. A Saracura voltaria ao topo com obras de sua autoria em 1982 e 1988, sedimentando a reputação da Ala como motor criativo das grandes conquistas.


Mestres que viraram enredo da nossa memória


Henricão, pioneiro do canto no cordão; Geraldo Filme, voz maior do samba paulistano e militante da negritude; Osvaldinho da Cuíca, fundador da Ala e inovador que levou frigideira e cuíca para o protagonismo da bateria; e ainda nomes do próprio Bixiga como Fernando Penteado, herdeiro de gerações saracuras ? todos eles moldaram a linguagem do nosso samba. São referências que a Ala preserva como quem guarda o pavilhão: com reverência e continuidade.


Fernando Penteado, nascido no Bixiga e descendente de fundadores do Vai-Vai, simboliza essa transmissão de saberes entre quintais, botequins e quadras, eternizando no verso o cotidiano do bairro e a história da escola.


O ofício que não para: como nasce um samba do Vai-Vai


A Ala de Compositores é um organismo vivo. Com o lançamento do enredo e sinopse, os autores estudam o enredo, pesquisam fontes, compõem, testam melodias e letras com a resposta da comunidade e da bateria, lapidam refrões de cabeça e criam narrativas que façam o Bixiga inteiro cantar. Esse processo ? que junta técnica, memória afetiva e leitura de comunidade ? explica porque o Vai-Vai mantém uma identidade musical reconhecível mesmo atravessando épocas e estilos.


Ao longo dessas cinco décadas, a Ala produziu verdadeiros geradores de campeões de samba-enredo ? compositores que marcaram época e ajudaram a consagrar a Saracura na avenida. Nos anos 1990 e 2000, nomes como Zeca do Cavaco, Zé Carlinhos, Naio Denay e Ronaldinho FDQ estiveram à frente de sambas que se tornaram ícones do repertório do Vai-Vai. Zé Carlinhos hoje ocupa a vice-presidência da agremiação, desempenhando papel ativo tanto na criação poético-musical quanto na diretoria da escola. Já Naio Denay e Francis Gabriel são os atuais autores do samba-campeão do Carnaval 2025, mantendo viva essa linhagem de talento e emoção. E o futuro já está batendo à porta: estamos no calor das disputas de samba para o Carnaval 2026 ? logo saberemos quem serão os próximos mestres a dar voz à alma da nossa escola.


Legado e futuro: 50 anos que apontam adiante


Ao celebrar 50 anos, a Ala reafirma seu papel de ponte entre tradição e invenção. É dela que partem os versos que fazem ecoar nossa coroa e nossos ramos de café ? símbolos de realeza negra e da história econômica de São Paulo ? e que mantêm viva a voz do povo do Bixiga a cada carnaval. Mais que repertório, a Ala cultiva pertencimento: cada samba é um documento afetivo da cidade, um capítulo da biografia coletiva do Vai-Vai.


Em 2025, a Saracura canta alto porque há meio século existe um quilombo de criadores afinando acordes de história, orgulho e resistência. Que venham as próximas décadas: a Ala de Compositores seguirá como nosso coração musical ? compassando o passado, marcando o presente e apontando, em surdo firme, o futuro.